Dina Pimenta e José Tolentino Mendonça

A Flor escondida e a arte de jardinar.

O jardim aqui apresentado resulta de um diálogo que partiu inicialmente da (re)lembrança de um momento concreto do passado que fez cruzar duas pessoas em torno de uma flor (Strelitzia nicolai), mas vai na direção de uma vontade presente, de assinalar a reflexão sobre os jardins de forma simbólica e onde a jardinagem é uma ação que cuida do crescimento e o florescimento do nosso mundo interior.

Dina Pimenta pintou e desenhou no interior do prato de cerâmica uma estrelícia e fê-la acompanhar da frase 'Um dia quando for grande...'. No exterior escreveu 'Em todos os jardins hei de florir', uma espécie de dupla citação tomada a partir do texto 'A Arte de Jardinagem' de José Tolentino Mendonça.
O interior do prato cobriu-se de terra e várias plantas viçosas que se encheram de várias flores encarnadas.
Este jardim florido é uma homenagem aos sonhos da juventude, à vontade que nos orienta para a demanda de nós próprios, para a descoberta e cuidado da flor escondida que haverá de desabrochar no cumprimento e descoberta da missão de cada um de nós em relação com o próximo.

O jardim aqui apresentado só se completa com o diagrama que se apresenta na parede oposta: uma abordagem de José Tolentino Mendonça que aponta, numa trilogia, os pontos para uma arte da jardinagem e do desabrochar interior: o Autoconhecimento, a Solicitude Activa e o Florescer. 




















Sophia de Mello Breyner escreveu: «Em todos os jardins hei de florir…». Acho que a podemos compreender bem, pois quem conhece minimamente o seu próprio coração sabe quanto ele se assemelha a um jardim. Por saber isso é que nos tornamos, claro está, nos primeiros interessados na peculiar arte de jardinagem que é o cuidado do nosso mundo interior. Há uma passagem bíblica, de um dos livros sapienciais, que traduz o que, a esse nível, nos cabe fazer. Diz assim: «Regarei as plantas do meu jardim e saciarei de água os meus canteiros» (Eclo 24,30).

A arte de jardinagem pede de nós três coisas. A primeira delas é o autoconhecimento. É necessário que nos debrucemos sobre o nosso mundo interno, antes de tudo para reconhecê-lo. Lembro-me de uma pergunta de Marguerite Yourcenar: «Quem pode haver tão insensato que se deixe morrer sem ter dado, pelo menos uma volta à sua prisão?». Se isto é verdade, em relação aos nossos limites (à nossa prisão), quanto mais em relação à nossa alma. Vivemos na época da grande mobilidade. A paisagem encheu-se de aeroportos, estações, vias rápidas. Não sei, contudo, se nos tornou mais disponíveis para essa que é a grande viagem: a descida ao íntimo do coração. Às vezes a sensação é que nos tornamos estrangeiros de nós próprios.

A segunda tarefa desta arte de jardinagem é, chamemos-lhe assim, uma solicitude ativa. O «Principezinho», o irrequieto alter-ego de Saint-Exupéry, ajuda-nos a concretizar isto de que falamos. É a propósito dos embondeiros. Cito: «No planeta do principezinho, havia como em todos os planetas, ervas boas e ervas daninhas. E por conseguinte boas sementes de ervas boas e más sementes de ervas daninhas. Mas as sementes são invisíveis. Dormem no segredo da terra até que uma delas se lembra de despertar... Se se trata de um rebento de rabanete ou de roseira, podemos deixá-lo crescer à vontade. Mas no caso de se tratar de uma planta daninha, é necessário arrancá-la imediatamente mal formos capazes de a reconhecer. Ora, existiam sementes terríveis no planeta do principezinho... eram as sementes dos embondeiros. O solo do planeta estava infestado delas. Se não arrancarmos o embondeiro a tempo nunca mais nos conseguimos desembaraçar dele. Atravanca o planeta todo».

A terceira etapa da nossa arte interior é o florescer. Não podemos estar a vida inteira em busca de conhecimento, mesmo se um bom quinhão de teoria não faça mal a ninguém. Nem podemos ficar apenas pela enérgica sacudidela do pó que se amontoa e torna tudo ilegível. Há estações interiores em que só nos falta isto: florir. Também aqui aprendamos dos jardins alguma sabedoria. As flores, por exemplo, não nascem apenas nos canteiros demarcados. Também acontece (e às mais belas) brotarem à beira dos caminhos ou fora de tempo. Numa das inesquecíveis passagens diarísticas de Raul Brandão ele conta o seguinte: ainda hoje recordo «aquela laranjeira que, de velha e tonta, deu flor no inverno em que secou».


José Tolentino Mendonça




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Dina Pimenta, Funchal
Licenciada em pintura pelo Instituto Superior de Artes Plásticas da Madeira. É professora do ensino secundário, Artes Visuais. No panorama artístico, expõe desde 1980, participando em projectos colectivos, em co-autoria e individuais. Foi distinguida com alguns prémios e distinções ao longo da sua carreira.


José Tolentino Mendonça, Machico, 1965
É licenciado em teologia e doutorado em Ciências Bíblicas. É capelão da Universidade Católica de Lisboa, onde é também professor de teologia bíblica.
Enquanto poeta e escritor conta com a publicação de vários livros.